O Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, disse hoje haver demasiados poderes com medo que o medo acabe, considerando a “instrumentalização do medo” para acorrentar os outros como um problema na ordem do dia. Não estava a falar de Angola, obviamente… Mas que os donos do (nosso) país têm medo que o medo acabe, isso têm.
“H á quem tenha medo que acabe o medo”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, citando o último livro do escritor Mia Couto, alertando para o que considera ser “a instrumentalização do medo para a limitação, para o acorrentar dos outros”.
Uma questão que Marcelo Rebelo de Sousa considerou hoje em Óbidos (Portugal), no âmbito do festival Folio -Festival Literário Internacional de Óbidos, estar “na ordem do dia” numa altura em que “existem demasiados poderes que têm medo que o medo acabe”.
Uma ideia que o Presidente português partilhou com o público do Folio, no final de uma mesa em que Lídia Jorge e Nuno Júdice debateram “O medo dos escritores”.
“O medo faz parte da natureza humana, é natural, é inato”, afirmou o chefe de Estado português, considerando que o medo é também “criativo” e estimulador da criatividade.
O medo cá pela Banda
Em Julho, o Ministério do Interior de Angola manifesta-se preocupado com o surgimento de manifestações violentas, referindo que o surgimento dessas manifestações, sem que cumpram os pressupostos previstos na lei, colocam em causa a ordem e tranquilidade públicas, assim como os bens públicos e privados.
Falha da “Operação Resgate”? Acção dos marimbondos de José Eduardo dos Santos? Tentativa de golpe de Estado? Acções controladas (ainda) pelo fantasma de Savimbi? Revús chateados?
Já a Polícia Nacional, em comunicado da mesma altura, dava conta da detenção de sete cidadãos, em Luanda, pela prática dos crimes de assuada, desobediência, resistência e danos materiais em duas viaturas da polícia.
De acordo com o documento, esses indivíduos foram detidos durante uma operação da polícia, chamada a intervir para impedir que um grupo de jovens danificasse uma conduta da Empresa Pública de Águas de Luanda (EPAL).
Na sequência, cerca de 40 jovens montaram uma barricada na Avenida 21 de Janeiro, “com pneus em chamas, contentores de lixo e arremessaram pedras às viaturas que por ali circulavam, tendo danificado duas da Polícia Nacional“.
Na sua nota, o Ministério do Interior referia que a violência agrava-se quando as autoridades policiais são chamadas aos respectivos locais para repor a ordem pública e, “vezes sem conta, são confrontadas com motins e violência à integridade física, assim como com acções que atentam contra os princípios legais“.
O documento reconhece o direito (supostamente) garantido pela Constituição da República à manifestação e reuniões, que também define as limitações no respectivo exercício.
“O Ministério do Interior apela, por isso, a todos os cidadãos nacionais e estrangeiros a não enveredarem por acções que contrariem a ordem jurídica estabelecida na Constituição e na Lei, bem como aconselha a não participarem em práticas que colidam com o direito em vigor, e apela que comuniquem as autoridades sempre que virem os seus direitos e bens públicos e privados infringidos“, lê-se no comunicado.
Na mesma altura foi registada igualmente em Luanda, uma acção de alteração da ordem pública, no distrito urbano de Sambizanga, que resultou no ferimento de alguns agentes da Polícia Nacional, do Serviço de Investigação Criminal, bem como danos avultados a 15 viaturas, das quais 12 particulares.
Os distúrbios tiveram como origem a morte de um cidadão, dias depois de ter sido colocado em liberdade pela polícia, tendo a família decidido colocar o caixão com o cadáver dentro da esquadra da polícia.
Face à “gravidade do assunto“, o então ministro do Interior, Ângelo Veiga Tavares, ordenou a abertura de um inquérito para determinar as circunstâncias que estiveram na base da morte do cidadão, bem como dos desenvolvimentos posteriores ao facto.
Resgatar o Operação Resgate
A Polícia anunciou no dia 16 de Janeiro de 2019 que queria focar, este ano, as suas actividades na revisão e actualização do modelo de policiamento nas zonas urbanas, periféricas, suburbanas e rurais, bem como na unidade e disciplina dos seus efectivos.
Em vez de, com a prolixidade que se reconhece, dizer zonas urbanas, periféricas, suburbanas e rurais não seria suficiente dizer em todo o país? Talvez fosse. Mas assim tem mais encanto e até parece ser um trabalho muito mais amplo.
Iremos ter uma “Operação Resgate II”. Os desafios para 2019 foram apresentados pelo Comandante-Geral da Polícia Nacional, Paulo de Almeida, na abertura do Conselho Consultivo Alargado daquele órgão do Ministério do Interior.
Relativamente ao ano de 2018, Paulo de Almeida disse que terminou “em alta”, apesar de ser necessário corrigir ainda “muita coisa”. Estaria o Comandante-Geral a reconhecer que a própria Polícia, ou até mesmo o Governo, carece de uma “Operação Transparência”?
Se calhar estava. Continua a haver falta de transparência (e de competência) no Governo mas, reconheça-se, o Presidente não se cansa de exonerar figurantes e substituí-los por outros… figurantes.
“O mais importante foi conseguirmos conter e reduzir a tendência ascendente do crime em Angola, por isso convocámos esta reunião logo no início do ano, para diagnosticar o que fizemos, vivemos e concluímos de 2018, em termos de situação e segurança pública em geral”, indicou Paulo de Almeida.
Segundo o Comandante-Geral da Polícia Nacional, em função dos resultados de 2018, é uma meta para a Polícia “baixar ou reduzir ainda mais os índices criminais no país”, elevando para o efeito a sua eficiência e resposta policial.
Fazendo uso do que tem sido a actuação dos governos (todos do MPLA) desde 1975, tudo leva a crer que com mais 56 anos do governo o MPLA conseguirá erradicar o crime e, provavelmente, a pobreza e a corrupção. É só uma questão de tempo.
Para 2019, a Polícia pretendia também dar atenção à formação do pessoal a distintos níveis, reorganizar e melhorar o funcionamento e atendimento nas esquadras e postos policiais, melhorar a protecção e de defesa dos polícias que garantem a ordem e tranquilidade públicas.
Também aqui é preciso dar tempo ao tempo. É que os polícias são seres humanos (às vezes não parece, mas são) formatados segundo as regras do MPLA. E estas regras estabelecem, para além de uma fidelização canina, que perante o Povo a Polícia deve usar sempre a razão da força. Ou seja, até prova em contrário todos são culpados.
Vejamos um exemplo. Como Folha 8 noticiou, o SIC não conseguiu localizar um suposto criminoso e, como mandam as regras do regime, para tentar apanhá-lo prendeu a mulher e a filha menor. Terá escapado apenas o cão…
Paulo de Almeida disse ainda que a polícia esperava, “com muita ansiedade”, a aprovação da proposta do Regulamento Orgânico da Polícia Nacional, bem como do Projecto de Lei de Base da Polícia Nacional e do Estatuto do Polícia.
Segundo o Comandante-Geral da Polícia Nacional, são instrumentos valiosos e necessários para uma boa gestão e controlo de toda a organização e funcionamento da polícia.
“No momento actual, precisamos de melhorar a nossa estrutura funcional, para sermos mais eficientes e privativos, precisamos definir bem o nosso papel, lugar e competências, os actuais instrumentos normativos e jurídicos que regem a nossa actividade já não dão resposta às nossas preocupações”, disse.
Paulo de Almeida garantiu que a Polícia iria continuar a “pôr ordem” na cidade, com a retomada da “Operação Resgate”, depois de um interregno para o asseguramento da quadra festiva.
“Sabemos de algumas renitências, desobediências e retornos, de algumas teimosias de voltar ao passado, quero garantir que vamos pôr ordem nos próximos tempos”, referiu.
Pôr todos na ordem (superior) do… MPLA
A “Operação Resgate” assemelha-se a uma espécie de purga, de limpeza e extinção de angolanos pobres, de algo que, aos mais velhos, recorda um tenebroso dia de 1977. Mais exactamente o dia 27 de Maio…
A “Operação Resgate” é uma espécie de “lei marcial” para pôr o país em “estado de sítio”, doa a quem doer. Palavra do Presidente da República. Alvos? Sobretudo os angolanos e angolanas pobres que, julgando terem direito a viver, tudo fazem para de forma honesta arranjar alguma coisa para dar de comer aos filhos.
O Governo, mais este do que os anteriores – muito mais este -, entende que se esses angolanos não conseguem viver sem comer, então não servem para viver. Como líder de uma casta superior, João Lourenço entende que é mais fácil acabar com os pobres do que acabar com a pobreza. Vai daí, põe novamente a sua enormíssima razão da força nas ruas para, sem apelo nem agravo, mandar a força a razão para uma qualquer vala comum.
Mais uma vez assiste-se à reedição do que o poeta António Jacinto escreveu sobre os piores tempos do colonialismo. Ou seja, os angolanos, sobretudo mulheres e homens pobres e desempregados, estão a ser varridos da sociedade e em paga recebem – na melhor das hipóteses – “desdém, fuba podre, peixe podre, panos ruins, cinquenta angolares e porrada se refilarem”.
Desta vez, contudo, a ditadura populista e demagógica do MPLA, tem pela frente a oposição pacífica de todos quantos, apesar de terem alguma coisa na barriga, não esquecem os seus irmãos que, por manifesta e criminosa incapacidade e incompetência do Governo do MPLA (há 44 anos no Poder), são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome.
O Povo está a sair à rua. Tem medo mas sai. Tem de continuar a sair à rua. Poderemos morrer de barriga vazia, mas morremos a lutar. Mas, mesmo morrendo, não seremos derrotados porque só é derrotado quem deixa de lutar. E haverá sempre vivos dispostos a lutar. Lutar de forma pacífica… se isso for possível.
É uma vergonha, Presidente João Lourenço. O “resgate” da Nação não se pode fazer à custa da vida e da dignidade dos angolanos, sejam eles membros do Governo ou zungueiras. Somos todos angolanos. Sabemos que, também para si, há angolanos de primeira e de segunda (talvez até de terceira). Mas daí a querer resgatar qualquer coisa, por mais nobre o relevante que ela seja, à custa da vida (e dos parcos bens) dos mais indefesos é um crime contra a humanidade.
Mais uma vez (e já começam a ser muitas), a esperança que João Lourenço nos mostrou parece esfumar-se na troca de carrascos. A clientela tem de ser alojada e os “cristãos-novos” juram fidelidade ao novo líder da Igreja Universal do Reino do MPLA. Este, com a maestria de quem domina a arte de bem comandar rebanhos de carneiros, vai tornando o país no seu reino.
Esses génios, os de ontem e os de hoje, os de hoje que eram os de ontem, quase todos paridos nas latrinas da mesquinhez e da cobardia, têm de saber que a sua liberdade termina onde começa a dos outros, mesmo que sejam zungueiras.